Se o Banco Central anunciar hoje mais uma elevação dos juros básicos, como esperado pelo mercado, a velha poupança volta à cena.

Por Luciana Seabra e Alessandra Bellotto – Valor Econômico

Isso não significa, entretanto, que a vantagem que ela vinha apresentando em relação às demais aplicações conservadoras no cenário de queda de juro vai ser mantida. Na verdade, o investidor deve rever o destino dos investimentos de curto prazo. Com a alta do juro, o retorno da poupança perde o vínculo com a Selic e volta a ser de 0,5% ao mês, ou 6,17% ao ano, mais Taxa Referencial (TR). E a caderneta tende a perder atratividade, se a taxa de juros for ajustada para 9% ao ano, como sugere o consenso.

Fundos DI com taxa menor ou igual a 1% passam a empatar ou ser mais interessantes do que a poupança até mesmo para o curtíssimo prazo, com resgate em menos de seis meses. Certificados de Depósito Bancário (CDBs) que rendem acima de 89% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), o referencial para aplicações conservadoras, passam a ser atraentes, seja qual for o prazo de aplicação. Para quem pode esperar mais de dois anos, o percentual deve ser no mínimo de 80%. Aqui vale uma ressalva: a taxa é negociada individualmente com os clientes e depende do apetite de captação dos bancos, hoje baixo devido a menor estimativa de crescimento das carteiras de crédito.

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O governo alterou as regras da poupança para depósitos feitos a partir de maio de 2012, vinculando seu retorno a 70% da Selic quando esta estiver menor ou igual a 8,5% ao ano, com o intuito de evitar que ela se tornasse atraente demais no cenário de queda de juro. Na prática, entretanto, o corte no retorno não foi suficiente. Quando a Selic chegou ao mínimo de 7,25% em outubro do ano passado, patamar em que permaneceu até abril, a poupança se tornou praticamente imbatível como destino para os recursos de emergência, que podem ser sacados a qualquer momento.

Fundos DI com taxa maior ou igual a 1% só serviam para quem pudesse deixar o dinheiro parado por pelo menos um ano, por conta da incidência de imposto de renda. A mordida do Leão também fazia com que CDBs com ganho inferior a 90% do CDI perdessem para a poupança em aplicações de até seis meses.

Seja pelo retorno, seja pelo desejo de segurança, o fato é que o brasileiro reforçou o apego à poupança. A caderneta registrou em julho, dado mais recente do Banco Central, o 17º mês seguido em que aportes superaram saques. A captação líquida nos sete primeiros meses do ano foi de R$ 37,6 bilhões, recorde para o período segundo a série histórica iniciada em 1995. Em agosto, a poupança continua atraindo recursos. Até o dia 20, o saldo líquido sobe para R$ 39,5 bilhões. Já os fundos DI atraem no mesmo período R$ 15,6 bilhões, sendo R$ 15 bilhões captados apenas em julho.

“A poupança tem uma mística no Brasil, mas é bom destacar que, nos meses de inflação mais salgada, ela entrega retorno real negativo”, diz Fausto Silva, da XP Gestão. O movimento recente de alta dos juros e o indício de que ele pode perdurar por mais alguns meses, considera, apontam para uma vantagem dos fundos DI, que carregam papéis pós-fixados. “A maioria dos investidores não faz as contas antes de alocar recursos na poupança”, afirma.

Com o ciclo recente de alta dos juros, o custo de oportunidade desse comportamento deve ser pesado. Caso se efetive a Selic em 9% pela primeira vez desde abril do ano passado, um fundo DI com taxa de administração de 1% passa a ser destino confortável, seja qual for o prazo da aplicação, segundo cálculos do consultor Marcelo d’Agosto. Taxas de 1,5% já são atraentes para quem pode esperar mais de um ano. Para prazo superior a dois anos, 1,8% é aceitável.

A taxa de administração média dos fundos DI é de 0,81%, segundo os dados mais recentes da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), referentes a junho. Para o varejo, a média é maior, de 1,24%.

Dos 310 fundos potencialmente acessíveis a investidores, 214 têm hoje taxa de administração menor ou igual a 1%, segundo um levantamento de d’Agosto. Ou seja, 70% dos fundos disponíveis na indústria são atraentes quando comparados à poupança. A ressalva feita pelo consultor é que dois terços dos cotistas de fundos DI ainda estão em carteiras com taxa superior a 1%.

O estudo de d’Agosto mostra ainda que a taxa alta prejudica o retorno. Os fundos acessíveis com taxa de até 1% tiveram retorno de 4,04% no ano até julho, descontada a taxa de administração, mas ainda antes da mordida do Leão. Os com taxa superior entregaram 3,07%. No mesmo período, a poupança rendeu 3,04% sob as novas regras, enquanto o estoque aplicado até 3 de maio ganhava 3,57%.

Eduardo Castro, superintendente-executivo da gestora do Santander, afirma que à medida que os juros caíam, os gestores reduziram aplicações mínimas para fundos com taxas menores. Dependeria, assim, dos próprios investidores se movimentar de uma carteira para outra. E, na opinião de Castro, o movimento dos juros aponta, sim, para esses fundos. “O que se discute hoje é o tamanho do ciclo. Eu não consigo, olhando as projeções do próprio Banco Central, ver um ciclo que pare antes de 9,25%”, diz.

Os cálculos que comparam poupança e fundos DI são uma estimativa. Por um lado, o acréscimo da TR, considerada nula nos cálculos, traz um ganho adicional para a caderneta. Por outro lado, a seleção do fundo DI pode reduzir ou ampliar a vantagem em relação à poupança. Isso porque essas carteiras nem sempre rendem Selic como estimado. Os gestores podem investir até 50% do patrimônio em papéis privados sem ter que explicitar isso no nome do fundo, o que traz uma possibilidade de vitaminar os ganhos – ou reduzi-los se houver provisões.

Os fundos DI, na média, vinham como os campeões de retorno desde o início do ano, destaca Ronaldo Patah, superintendente de renda fixa da área de gestão de recursos do Itaú Unibanco. Isso porque conseguiram tirar proveito de um movimento do mercado secundário, que já na virada do ano começou a antecipar a alta de juros local – que na prática teve início na reunião do Copom de abril – e, mais recentemente, da curva americana, em função da expectativa do início da retirada dos estímulos monetários pelo Fed, o banco central dos Estados Unidos.

Outra fonte de retorno importante para os fundos DI, acrescenta Patah, veio do crédito privado pós-fixado, majoritariamente Letras Financeiras (LFs). Segundo ele, a queda nas taxas pagas nas novas emissões ao longo dos últimos dois anos acabou gerando ganhos significativos para esses fundos com a marcação a mercado da valorização desses papéis em carteira.

Para se ter ideia, considerados todos os fundos DI, o rendimento médio no ano até julho foi de 4,31%, acima do CDI de 4,16%. Já a poupança “nova”, a única disponível para aplicação no período, variou 3,04%. Vale lembrar que o rendimento do fundo DI é líquido de taxa de administração, mas não de IR. Se descontada uma alíquota de 20%, para prazos entre 6 e 12 meses, o ganho médio dos fundos DI cai para 3,45%, ainda assim acima da caderneta.

Olhando para frente, o cenário segue positivo para os pós-fixados, segundo Patah. “O BC vai continuar subindo os juros, no mínimo para 9,5%, e o Fed deve dar início à sua política de redução de estímulos no mês que vem”, explica. Além disso, acrescenta o executivo, os fundos DIs e os renda fixa com gestão ativa, que podem apostar na alta de juro, tendem a aumentar atratividade em relação à poupança – que deve continuar atraindo aqueles que não conseguirem fundos com taxas até 1%.

“Os fundos DI são indicados justamente para esses momentos de incerteza, em que não se sabe até onde vai a subida dos juros”, diz André Abreu, gerente-executivo de fundos de renda fixa da BB DTVM. Seria uma opção interessante, afirma, para aqueles investidores que andam assustados com a volatilidade dos fundos que aplicam em papéis pré-fixados. Não é um caminho para os DI, entretanto, que Abreu tem observado no comportamento dos investidores. Os fundos DI da casa têm tido resgates líquidos. Além da poupança, afirma Abreu, essas carteiras têm sofrido a competição de títulos privados isentos, com visibilidade crescente.

Patah, do Itaú Unibanco, lembra ainda que, por outro lado, o movimento de alta de juros, que começou a ser antecipado pelo mercado na virada do ano, acabou prejudicando a rentabilidade das carteiras de renda fixa com gestão passiva, ou seja, com posições prefixadas e prazos médios maiores. Hoje, contudo, para aplicações novas, as taxas estão melhores do que no início do ano, o que abre espaço para compra. “Mas só dá para entrar em um fundo de renda fixa passivo se o horizonte for de no mínimo dois anos, e de preferência para aposentadoria”, pondera Patah.

Na visão de Joaquim Levy, diretor-superintendente da Bradesco Asset Management (Bram), tudo é uma questão de horizonte. “Para o curto prazo, aplicação pós-fixada é a resposta mais flexível. Mas quem tem um horizonte maior de tempo e está confortável com os ajustes [para cima] na curva de juros, a renda fixa potencialmente tem mais retorno”, afirma Levy. Ele alerta, contudo, para o risco maior da renda fixa, associado à maior volatilidade. “Porém, mais para frente, os juros devem voltar a cair”, argumenta.